Anderson chegou a ler a biografia do espanhol e surpreendeu-se ao descobrir que o designer deu apenas uma entrevista em toda a sua carreira.
O que o cinema tem a ver com a moda? Segundo o filme Trama Fantasma, as duas artes compartilham muitas coisas. Ambientado no mundo da alta-costura londrina do ano de 1954, o longa mostra a relação quase neurótica entre o estilista Reynolds Woodcock e suas criações. A produção não foca a dinâmica da indústria, ela narra a obsessão de um homem criativo pelo seu trabalho.
Além disso, mostra como essa relação, às vezes doentia, transporta-se para a vida pessoal e sentimental do indivíduo. A linha entre arte e obsessão é tênue.
O trabalho, feito nos mínimos detalhes e com extrema precisão, aponta uma personalidade inflexível que está sempre em busca da perfeição. É como o diretor do filme recentemente declarou ao jornal The New York Times: “Estilistas, em geral, têm reputação de controladores, exigentes e rigorosos”.
O diretor Paul Thomas Anderson escolheu Daniel Day-Lewis, ganhador de três Oscars, para interpretar o fictício estilista dos anos 1950 Reynolds Woodcock. Inspirado no excêntrico Charles James e no espanhol Cristóbal Balenciaga, o personagem tem como profissão criar vestidos para a alta-sociedade de Londres e se mostra um verdadeiro control freak.
Assombrado pela morte da mãe, o estilista costurava mensagens ocultas na borda de vestidos. Apesar de ser carismático e genial, mostra-se uma pessoa controladora. No longa, a figura feminina é a grande referência e o ponto dramático do filme. Mas, tudo muda após ele conhecer Alma (Vicky Krieps), que se torna a sua verdadeira musa inspiradora.
Porém, nem mesmo ela seria capaz de escapar da característica perfeccionista do personagem. Se, por um lado, mulheres chegam a ter de se desculpar por seus corpos não se encaixarem nos padrões impostos pelo estilista, em outro ponto do filme, ele sugere fazer um vestido para Alma que a deixasse com seios maiores.
A moda dentro do filme
O talentoso figurinista Mark Bridges ganhou o Oscar pelo filme. Ele contou em entrevistas que os vestidos da House of Woodcock tiveram inspirações contrastantes entre si – mas, quando unidas, resultaram em peças harmônicas e cheias de precisão.
Para criar essas produções extremamente luxuosas e mergulhar no universo de Balenciaga, Bridges visitou o Victoria & Albert Museum e examinou de perto a mudança radical de silhuetas que ocorreu no meio do século 20.
A moda em Londres no período pós-guerra, época na qual se passa o filme, era mais conservadora se comparada à modernidade proposta em Paris. Daí surge todo um apego da produção do filme com a visão estética de Charles James – que, na capital inglesa da década de 1950, projetava seus vestidos para a realeza e não tanto para a mulher contemporânea adepta do New Look.
O diretor do filme também confessou que a vida de Cristóbal Balenciaga – Christian Dior o considerava o grande mestre da moda – inspirou a construção do personagem. Anderson chegou a ler a biografia do espanhol e surpreendeu-se ao descobrir que o designer deu apenas uma entrevista em toda a sua carreira.
A partir daí, Balenciaga e Woodcock ganham muitas semelhanças no filme. Para começar, ambos são filhos de costureiras nascidos no País Basco, na província de Gipukzoa, onde passaram a maior parte do tempo observando suas mães trabalharem. As personalidades dos dois também são praticamente idênticas, sobretudo quando analisamos a exigência com o tecido e a extrema precisão durante a criação.
Conhecido por mergulhar de cabeça em seus personagens, Daniel Day-Lewis decidiu conhecer todo o processo de criação dos estilistas. Assistiu a desfiles dos anos 1940 e 1950, consultou acervos de moda com a ajuda da curadora do Victoria & Albert Museum, em Londres, e aprendeu a costurar.
Isso sem falar que, por quase um ano, foi aprendiz de Marc Happel, figurinista do New York City Ballet. Para fechar com chave de ouro, construiu um vestido Balenciaga do zero, usando a esposa e cineasta Rebecca Miller como manequim.
Mark Bridges, figurinista do filme, também revelou que o próprio ator escolheu o guarda-roupa elegante de seu personagem. O processo detalhista tem um ponto significativo. Antes mesmo da pré-produção do filme, Day-Lewis já tinha afirmado para a imprensa que esse seria seu último longa-metragem, fechando um ciclo de 40 anos de carreira no cinema.
O enredo principal de Trama Fantasma é a historia de amor entre Reynolds Woodcock e sua musa inspiradora, Alma, mas mostra também a relação obsessiva que pode existir entre um estilista e a arte de criar e produzir. O resultado é um filme cheio de costura, detalhes e belíssimos vestidos. Sem falar na excelente atuação de Daniel Day-Lewis, que nos envolve na tensão psicológica do personagem. Vale a pena conferir.
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